terça-feira, 30 de novembro de 2010

O FOLCLORE BRASILEIRO

O FOLCLORE BRASILEIRO
Merlânio Maia

Tem cuidado caçador
Que lá vem DONA CAIPORA
Que tem pelo cabeludo
Não tem chapéu, nem espora
Mas monta um porco do mato
Se és matador de fato
Caipora te pega agora!

O filho após sete filhas
Em noite de Lua cheia
Meia noite, meia hora,
Meia volta, volta e meia
Se transforma em LOBISOMEM
Não é mulher, nem é homem
Garra e pêlo, ô coisa feia!

O BOITATÁ não é boi
Só tem um olho na testa
É um protetor da mata
E se esconde na floresta
Mas tem um rabo que sobra
O resto parece cobra
Faz da crença sua festa!

Ouve um relincho bem triste
Basta apenas que anoiteça
Soltando fogo na frente
A assustar quem apareça
Correndo dentro das matas
Dando coices com as patas
É a MULA SEM CABEÇA!

Negrinho de perna só
De carapuça encarnada
Pulando dentro da mata
De estridente gargalhada
É o SACI na diabrura
PERERÊ que na cultura
É Coisinha endiabrada!

NEGRINHO DO PASTOREIO
Menino estraçalhado
Por seu dono tão cruel
Senhor do mal, desalmado
Negrinho ao morrer seduz
Voltando cheio de luz
Pelo povo idolatrado!

Dentro do Rio Amazonas
Nas águas de remansar
Vive a poderosa IARA
Cantando pra encantar
Os mais jovens ribeirinhos
Cheia de encanto e carinho
Pra com eles se casar!

Dele todos agressores
Fogem com medo da ira
Quem mata e destrói a mata
Teme e tremendo se vira
Com pavor do indiozinho
Pés pra traz e bem ruivinho
Que é o próprio CURUPIRA

Assim é o nosso Folclore
Cheio de sabedoria
Que protege nossas matas
Contra toda tirania
Contra a ambição do tirano
Educando o ser humano
Com cultura e alegria!

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

QUEM FOI LEANDRO GOMES DE BARROS

Leandro Gomes de Barros
Capela de Santa Maria da Magdalena


            Leandro Gomes de Barros nasceu em 1865, na Fazenda Melancia, município de Pombal, Estado da Paraíba. A Fazenda pertencencia aos trisavós do autor desta nota, Manuel Xavier de Farias e sua mulher Dona Antônia Xavier de Farias, por quem Leandro foi criado. Manuel e Antônia eram pais do Padre Vicente Xavier de Farias, que nasceu na mesma fazenda em 1822. Ordenado sacerdote, aos 24 anos de idade mudou-se para o Teixeira em 1846, tendo permanecido ali durante 61 anos. Faleceu em 13 de dezembro de 1907, com 85 anos de idade. Em 1880, os pais do Pe Vicente mudaram-se para o Teixeira, vindo em sua companhia o grande e talentoso Leandro, aos 15 anos de idade. 
            O Pe Vicente foi o terceiro vigário do Teixeira, como se pode ver no Livro de Tombo abaixo transcerito:
 
CAPELA DE SANTA MARIA DA MAGDALENA
            Fundamentos da Capela lançados em 1792. Doação do patrimônio em 1795. Inauguração da Capela em 1809. 1º Capelão: Cônego Manoel da Costa Palmeiro, vigário de Patos. Foi ele quem lançou os fundamentos e inaugurou a capela. 2º Capelão: Pe Antônio Dantas Correia de Góes, falecido em Patos, no dia 12 de março de 1852. Elevação do Teixeira à Freguesia em 06.10.1857 pela Lei Provincial nº 16. 1º Vigário: Pe José Germiniano Pereira Régis 2º Vigário: Pe Bernardo de Carvalho Andrade 3º Vigário: Pe Vicente Xavier de Farias 
            No Teixeira, Leandro conviveu com violeiros da estatura de Inácio da Catingueira, Romano da Mãe d'Água, Bernardo Nogueira, Ungulino Nunes da Costa e Nicandro Nunes da Costa. Por eles nutriu admiração e deles adquiriu o estro da poesia popular.
 
            De Teixeira mudou-se para Vitória de Santo Antão e de lá para o Recife, onde viveu na rua Motocolombó, nº 87, em Afogados. 
            Leandro era casado com Dona Venustiniana Aleixo de Barros, união da qual nasceu uma única filha, Raquel de Barros Batista que se casou com o poeta Pedro Batista (1890-1938).
 
            Sobre Leandro, Luiz da Câmara Cascudo in Vaqueiros e Cantadores nos dá o seguinte depoimento (pág. 264 - edições de ouro):
 
            "Nasceu e morreu na Paraíba, viajando pelo Nordeste. Viveu exclusivamente de escrever versos populares inventando desafios entre cantadores, arquitetando romances, narrando as aventuras de Antônio Silvino, comentando fatos, fazendo sátiras. Fecundo e sempre novo, original e espirituoso, é o responsável por 80% da glória dos cantadores atuais. Publicou cerca de mil folhetos, tirando deles dez mil edições. Esse inesgotável manancial correu ininterrupto enquanto Leandro viveu. É ainda o mais lido dos escritores populares. Escreveu para sertanejos e matutos, cantadores, cangaceiros, almocreves, comboieiro, feirantes e vaqueiros. É lido nas feiras, nas fazendas, sob as oiticicas nas horas do "rancho", no oitão das casas pobres, soletrado com amor e admirado com fanatismo. Seus romances, histórias românticas em versos, são decoradas pelos cantadores. Assim Alonso e Marina, O Boi Misterioso, João da Cruz, Rosa e Lino de Alencar, O Príncipe e a Fada, o satírico Cancão de Fogo, espécie de Palavras Cínicas, de Forjaz de Sampaio, a Órfã Abandonada, etc constituem literatura indispensável para os olhos sertanejos do nordeste. Não sei se ele chegou a medir-se com algum cantador. Conheci-o na capital paraibana. Baixo, grosso, de olhos claros, o bigodão espesso, cabeça redonda, meio corcovado, risonho, contador de anedotas, tendo a fala cantada e lenta do nortista, parecia mais um fazendeiro que um poeta, pleno de alegria, de graça e de oportunidade.
 
            Quando a desgraça quer vir Não manda avisar ninguém, Não quer saber se um vai mal E nem se outro vai bem, E não procura saber Que idade Fulano tem. Não especula se é branco, Se é preto, rico, ou se é pobre, Se é de origem de escravo Ou se é de linhagem nobre! É como o sol quando nasce O que acha na terra, cobre! 
Um dia, quando se fizer a colheita do folclore poético, reaparecerá o humilde Leandro Gomes de Barros, vivendo de fazer versos, espalhando uma onda sonora de entusiasmo e de alacridade na face triste do sertão."
 
            O poeta João Martins de Ataíde, que comprou os direitos autorais de Leandro a Venustiniana Eulália de Barros, escreveu o seguinte no folheto A Pranteada Morte de Leandro Gomes de Barros:
 
            Poeta como Leandro Inda o Brasil não criou, Por ser um dos escritores Que mais livros registrou, Canções, não se sabe quantas, Foram seiscentas e tantas As obras que publicou. No dia de sua morte O céu mostrou-se azulado, No visual horizonte Um círculo subdourado Amostrava no poente Que o poeta eminente Já havia se transportado. 
Na tentativa de preservar a memória deste gênio da poesia popular, não posso deixar de registrar o depoimento de Carlos Drummond de Andrade, publicado no Jornal do Brasil, edição de 9 de setembro de 1976, que escreveu o seguinte:
 
            "Em 1913, certamente mal informados, 39 escritores, num total de 173, elegeram por maioria relativa Olavo Bilac príncipe dos poetas brasileiros. Atribuo o resultado a má informação porque o título, a ser concedido, só poderia caber a Leandro Gomes de Barros, nome desconhecido no Rio de Janeiro, local da eleição promovida pela revista FON-FON, mas vastamente popular no Nordeste do País, onde suas obras alcançaram divulgação jamais sonhada pelo autor de "Ouvir Estrelas". (...) E aqui desfaço a perplexidade que algum leitor não familiarizado com o assunto estará sentindo ao ver defrontados os nomes de Olavo Bilac e Leandro Gomes de Barros. Um é poeta erudito, produto da cultura urbana e burguesa média; o outro, planta sertaneja vicejando à margem do cangaço, da seca e da pobreza. Aquele tinha livros admirados nas rodas sociais, e os salões o recebiam com flores. Este, espalhava seus versos em folhetos de cordel, de papel ordinário, com xilogravuras toscas, vendidos nas feiras a um público de alpercatas ou de pé no chão."
 
            E continua Drummond, sua comparação justa e inteligente:
 
            "A poesia parnasiana de Bilac, bela e suntuosa, correspondia a uma zona limitada de bem estar social, bebia inspiração européia e, mesmo quando se debruçava sobre temas brasileiros, só era captada pela elite que comandava o sistema de poder político, econômico e mundano. A de Leandro, pobre de ritmos, isenta de lavores musicais, sem apoio livresco, era o que tocava milhares de brasileiros humildes, ainda mais simples que o poeta, e necessitados de ver convertida e sublimada em canto a mesquinharia da vida (...). Não foi príncipe de poetas do asfalto, mas foi, no julgamento do povo, rei da poesia do sertão, e do Brasil em estado puro."
 
            Severino Nunes de Farias, irmão mais velho do autor desta nota, na Fazenda Mugiqui onde mora atualmente, recolheu da memória e passou para o papel os seguintes versos inéditos de Leandro onde ele descreve um encontro que teve com o poeta Chagas Batista na estação de trem de Tapera:
 
            Batista viajava De Vitória a Jaboatão, Quando chegou a Tapera, Que saltou na estação, Encontrou-se com Leandro, Entraram em coversação: Bom-dia, Senhor Leandro, Como vai, como passou, Leandro não conhecia, Mas disse também bom-dia, De onde vem, quando chegou? Para comprar cigarro Tinha saltado do trem, Disse ele: Não vou bem, Conheces o meu ofício, Já divulgo o precipício E o desmantelo já vem. Bom-dia, colega amado, Disse Leandro a Batista E lhe apurando a vista, Viu-lhe o bigode raspado, Ficou muito admirado, Com muito cuidado olhou E tomando liberdade, Disse: Raspou de verdade, Colega, quem desfeitou? Disse-lhe Chagas: Ninguém, Raspei porque hoje é moda, Eu que sou homem da roda, Por isso raspei também, Só não raspa quem não tem, A moda é de quem quiser, Pode usar ela quem quer. Então, Leandro lhe disse: Homem sem barba é mulher, Quando eu tinha doze anos Não precisava de estojo, Um cabra teve o arrojo De me chamar de santinho, Eu lhe disse: Você quer Meter-se em couro de boi?   Ele me disse: Perdoe, Homem sem barba é mulher! 
            Leandro nasceu em 19 de novembro de 1865, no sítio Melancia, em Pombal, e faleceu em Recife, no dia 4 de março de 1918.
 
            In Nota nº 72 do livro GUERREIRO TOGADO, Fatos Históricos de Alagoa do Monteiro, de autoria de Pedro Nunes Filho - E-mail: leo@elogica.com.br

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

A MÁ NOTÍCIA

A MÁ NOTÍCIA
Merlânio Maia


Dar notícia de tragédia
O que já deu de zuada...
Tem que ter jeito pra coisa
Ter ciência, ter estrada!...
Né quarqué um qui se mete
A butá burro im charrete
Qui vai ganhá a parada

Mi lembro de Zé Garapa
Mestre no cabo da enxada
Invento de sê casêro
De um tal de Chico Buchada
Quando um ano se passou
Garapa telefonou
Três hora da madrugada

Buchada atendeu: - “Alô!”
- “É o seu Chico Buchada?
É Zé Garapa, seu Chico!...”
- “Mas são três da madrugada
E isso é hora de ligar?!”
- “Seu Chico, é que eu vim lhe dar
Uma notíça danada...”

- “Diga logo Zé Garapa!”
- “Foi seu Cachorro Tigrão”
- “Que houve com meu cachorro
De pedigri, campeão?”
- “É que o pobre afaleceu!”
- “Morreu? Mas como morreu?”
- “Se esticou duro no chão!...”

- “Mas morreu de que, seu Zé
Que tragédia desgramada?!”
- “É o seguinte seu Chico,
Foi uma carne estragada.”
- “Mas quem deu carne a esse cão,
Se ele vive de ração?!”
- “Carne do pordo “Frexada!”

- “Espera aí seu José
E o meu pordo morreu?”
- “De tanto carregar água
Mode o incêndio que se deu
Na fazenda Catolé...”
- “Péra aí, como é que é???
E um incêndio aconteceu?”

- “Casa, horta, prantação,
Tudo desapareceu
Pois o fogo lambeu tudo
O gado todo morreu,
A curpa foi duma vela
Na cortina da janela
Onde a fornaia se deu”

- “Que vela é essa, seu doido,
Aí já tem energia!”
- “É qui aqui teve um velório...”
- “Que velório, ô ingrisia!”
- “A vela foi do velório
De sua mãe Donana Osório!
- “Pare com tanta heresia!”

- “Minha mãe tá muito viva...
Jantou aqui ta entendendo?”
- “Tava viva sim sinhô
Mas agora Deus ta vendo!
Qui Ele tenha pena dela
Pois uma bala daquela
Ela caiu se tremendo!”

- “Bala, que bala sujeito?”
- Bom Seu Chico eu me acordei
Cum um barúi e vi um vurto
E a tocaia eu preparei
Ela fez pantim, patrão,
Pensei qui fosse um ladrão
E no vurto eu atirei!

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

O SABIÁ E O GAVIÃO


O Sabiá e o Gavão
Patativa do Assaré


Eu nunca falei à toa.
Sou um cabôco rocêro,
Que sempre das coisa boa
Eu tive um certo tempero.
Não falo mal de ninguém,
Mas vejo que o mundo tem
Gente que não sabe amá,
Não sabe fazê carinho,
Não qué bem a passarinho,
Não gosta dos animá.

eu sou bem deferente.
A coisa mió que eu acho
É num dia munto quente
Eu i me sentá debaxo
De um copado juazêro,
Prá escutá prazentêro
Os passarinho cantá,
Pois aquela poesia
Tem a mesma melodia
Dos anjo celestiá.

Não há frauta nem piston
Das banda rica e granfina
Prasonoroso e bom
Como o galo de campina,
Quando começa a cantá
Com sua voz naturá,
Onde a inocença se incerra,
Cantando na mesma hora
Que aparece a linda orora
Bejando o rosto da terra.

O sofreu e a patativa
Com o canaro e o campina
Tem canto que me cativa,
Tem musga que me domina,
E inda mais o sabiá,
Que tem premêro lugá,
É o chefe dos serestêro,
Passo nenhum lhe condena,
Ele é dos musgo da pena
O maiô do mundo intêro.

Eu escuto aquilo tudo,
Com grande amô, com carinho,
Mas, às vez, fico sisudo,
Pruquê cronta os passarinho
Tem o gavião maldito,
Que, além de munto esquisito
Como iguá eu nunca vi, 
Esse monstro miserave 
É o assarsino das ave
Que canta pra gente uví.

Muntas vez, jogando o bote,
Mais pió de que a serpente,
Leva dos ninho os fiote
Tão lindo e tão inocente.
Eu comparo o gavião
Com esses farso cristão
Do instinto crué e feio,
Que sem ligá gente pobre
Quê fazê papé de nobre
Chupando o suó alêio.

As Escritura não diz,
Mas diz o coração meu:
Deus, o maió dos juiz,
No dia que resorveu
A fazê o sabiá
Do mió materiá
Que havia inriba do chão,
O Diabo, munto inxerido,
num cantinho, escondido,
Também fez o gavião.

De todos que se conhece
Aquele é o passo mais ruim
É tanto que, se eu pudesse,
tinha lhe dado fim.
Aquele bicho devia
Vivê preso, noite e dia,
No mais escuro xadrez.
que tô de mão na massa,
Vou contá a grande arruaça
Que um gavião me fez.

Quando eu era pequenino,
Saí um dia a vagá
Pelos mato sem destino,
Cheio de vida a iscutá
A mais subrime beleza
Das musga da natureza
E bem no de um serrote
Achei num de juá
Um ninho de sabiá
Com dois mimoso fiote.

Eu senti grande alegria,
Vendo os fíote bonito.
Pra mim eles parecia
Dois anjinho do Infinito.
Eu falo sero, não minto.
Achando que aqueles pinto
Era santo, era divino,
Fiz do juazêro igreja
E bejei, como quem bêja
Dois Santo Antõi pequenino.

Eu fiquei tão prazentêro
Que me esqueci de armoçá,
Passei quage o dia intêro
Naquele de juá.
Pois quem ama os passarinho,
No dia que incronta um ninho,
Somente nele magina.
Tão grande a demora foi,
Que mamãe (Deus lhe perdoi)
Foi comigo à disciprina.

Meia légua, mais ou meno,
Se medisse, eu sei que dava,
Dali, daquele terreno
Pra paioça onde eu morava.
Porém, eu não tinha medo,
Ia sempre em segredo,
Sempre. iscondido, sozinho,
Temendo que argúm minino,
Desses perverso e malino
Mexesse nos passarinho.

Eu mesmo não sei dizê
O quanto eu tava contente
Não me cansava de
Aqueles dois inocente.
Quanto mais dia passava,
Mais bonito eles ficava,
Mais maió e mais sabido,
Pois não tava mais pelado,
Os seus corpinho rosado
tava tudo vestido.

Mas, tudo na vida passa.
Amanheceu certo dia
O mundo todo sem graça,
Sem graça e sem poesia.
Quarqué pessoa que visse
E um momento refritisse
Nessa sombra de tristeza,
Dava pra ficá pensando
Que arguém tava malinando
Nas coisa da Natureza.

Na copa dos arvoredo,
Passarinho não cantava.
Naquele dia, bem cedo,
Somente a coã mandava
Sua cantiga medonha.
A menhã tava tristonha
Como casa de viúva,
Sem prazê, sem alegria
E de quando em vez, caía
Um sereninho de chuva.

Eu oiava pensativo
Para o lado do Nascente
E não sei por quá motivo
O nasceu diferente,
Parece que arrependido,
Detrás das nuve, escondido.
E como o cabra zanôio,
Botava bem treiçoêro,
Por detrás dos nevoêro,
um pedaço do ôio.

Uns nevoêro cinzento
Ia no espaço correndo.
Tudo naquele momento
Eu oiava e tava vendo,
Sem alegria e sem jeito,
Mas, porém, eu sastifeito,
Sem com nada me importá,
Saí correndo, aos pinote,
E fui repará os fiote
No ninho do sabiá.

Cheguei com munto carinho,
Mas, meu Deus! que grande agôro!
Os dois véio passarinho
Cantava num som de choro.
Uvindo aquele grogeio,
Logo no meu corpo veio
Certo chamego de frio
E subindo bem ligêro
Pr’as gaia do juazêro,
Achei o ninho vazio.

Quage que eu dava um desmaio,
Naquele de juá
E da ponta de um gaio,
Os dois véio sabiá
Mostrava no triste canto
Uma mistura de pranto,
Num tom penoso e funéro,
Parecendo mãe e pai,
Na hora que o fio vai
Se interrá no cimitéro.

Assistindo àquela cena,
Eu juro pelo Evangéio
Como solucei com pena
Dos dois passarinho véio
E ajudando aquelas ave,
Nesse ato desagradave,
Chorei fora do comum:
Tão grande desgosto tive,
Que o meu coração sensive
Omentou seus baticum.

Os dois passarinho amado
Tivero sorte infeliz,
Pois o gavião marvado
Chegou , fez o que quis.
Os dois fiote tragou,
O ninho desmantelou
E pras banda do céu,
Depois de devorá tudo,
Sortava o seu grito agudo
Aquele assassino incréu.

E eu com o maiô respeito
E com a suspiração perra,
As mão posta sobre o peito
E os dois juêio na terra,
Com uma que consome,
Pedi logo em santo nome
Do nosso Deus Verdadêro,
Que tudo ajuda e castiga:
Espingarda te preciga,
Gavião arruacêro!

Sei que o povo da cidade
Uma idéia inda não fez
Do amô e da caridade
De um coração camponês.
Eu sinto um desgosto imenso
Todo momento que penso
No que fez o gavião.
E em tudo o que mais me espanta 
É que era Semana Santa!
Sexta-fêra da Paixão!

Com triste rescordação
Fico pra morrê de pena,
Pensando na ingratidão
Naquela menhã serena
Daquele dia azalado,
Quando eu saí animado
E andei bem meia légua
Pra bejá meus passarinho
E incrontei vazio o ninho!
Gavião fí duma égua!