sexta-feira, 19 de fevereiro de 2021

O CAUSO DO CAÇADOR


O CAUSO DO CAÇADOR

Chico Pedrosa

 

O poeta é um escravo

Das coisas que a mente dita

Ela trás ele interpreta

Desdobra, escreve e edita

Depois vai e mostra o povo

Aquele trabalho novo

Tecido em fios de amor

Como Marcolino fez

Quando contou uma vez

O causo do caçador

 

Que na sexta-feira santa

Depois de uma lua cheia

Inventou uma caçada

Na chapada da aldeia

Calçou um par de butina

Preparou a lazarina

E um borná de munição

Motou água na cabaça

Pendurou no “cóiz” da calça

E foi chamar tubarão

 

Tubarão se arrupiou

Olhou pro céu e ganiu

Chamando atenção do dono

Que viu mas pez que não viu

Sem dar importância a data

Caminhou até a mata

Onde caçar começou

As seis até uma hora

Fora apito de caipora

Nenhum sibito piou

 

As duas horas da tarde

Na sombra de um arvoredo

Sentou-se pra descansar

Junto as pedras de um rochedo

Não resistindo ao cansaço

Fez travesseiro dum braço

Até dormir e sonhar

Que um onça valente

Armava na sua frente

Um bote pra lhe pegar

 

Quando ele abriu os olhos

Viu uma onça chegando

Quase rente com o chão

Devagar se preparando

Doida para lhe pegar

Raimundo pegou suar

Apontou-lhe a lazarina

Quando foi puxando o dedo

Lá de cima do lajedo

Ouviu a voz da felina:

 

Seu caçador não atire

Peço por Nossa Sinhora

Não me mate que tô choca

Tenha calma, vá simbora

Quando Raimundo ouviu isso

Valeu-se de Padim Ciço

E fez fiapo no mundo

E o cachorro do lado

Mais de uma hora colado

No calcanhar de Raimundo

 

Doido desorientado

Perdido sem direção

Desabou sob uma moita

Seguido de tubarão

Lá pras tantas despertaram

Frente a frente se olharam

Raimundo se espreguiçou

Se sentou, riscou o chão

Olhou para Tubarão

Deu um suspiro e falou:

 

Meu cachorro velho amigo

Companheiro de jornada

Na vida de caçador

Nunca me assombrei com nada

Já me perdi nas montanhas

Já ouvi vozes estranhas

De quem também se perdeu

Mas hoje foi de lascar

Nunca vi bicho falar

Tubarão disse: NEM EU!

 

Raimundo deu um desmaio

Quando ouviu esta resposta

Tubarão deu um ganido

Botou o rabo nas costa

Sumiu no giro da venta

E até hoje se comenta

Que Raimundo se espanta

Quando relembra o passado

Provando que é pecado

Caçar na Semana Santa!

 

 

 

 

 

 

terça-feira, 9 de fevereiro de 2021

INVENÇÃO DE SATANÁS

 


INVENÇÃO DE SATANÁS

Pompílio Diniz

Diz que Deus nosso Sinhô
Há muntos tempos atraiz
Arrezorvido chegô
Pra fazê seu mundo im paiz
Mas logo nesse momento
Com odaça e atrevimento
Tombém chegô Satanás

Foi aí que Deus falô:
- Qui tu vêi fazê aqui?
Satanás arrespontô:
Eu tombém mi arrezorvi
E vim fazê invenção
Pra ajuda na criação
Si voimicê premiti

Foi assim qui Deus pensô
- O Bem sempre vence o má
E sua obra começo
Sem pro Capeta liga
Começo o seu trabaio
Sem cunvessa e sem impaio
Um de lá ôto de cá

Entonce Deus feiz o dia
Chêi de luz e quilarão
O diabo com agonia
Feiz a noite e a escuridão
Naquela treva sem fim
Ele pôis isprito ruim
Lubisome e assombração

E assim Deus fêiz um cantêro
Di tudo quanto era frô
Nargumas ele pôis chêro
E nôtras beleza e cô
E o diabo vêi de mansim
E tudo quanto era ispim
Nessas prantas simeô

Deus entonce fêiz as água
Fêiz os rios, fêiz o má
E Satanás chêi de mágua
Fêis o fogo pra queimá
Naquela ocasião
Tempestade e furacão
Satanás pôde criá

Deus fêiz o belo e a graça
E deu sentido à razão
Satanás fêiz a cachaça
E tomô logo um pifão
De tão bebo que ficô
Dessa vêiz ele invento
Pulítica de inleição

Deus entonce fêiz os bicho
Fêiz os pêxe e os passarim
E Satanás pru capricho
Num dizispêro sem fim
Dêxô logo em dois sigundo
As sete praga do mundo
Cum todos insetos ruim

O sinhô dano harmonia
A divina inspiração
Fêiz o amor e a alegria
Paiz, bondade, compriensão
O diabo criô mardade
Guerra, fome e farsidade
Óido vingança e ambição

Tava tudo quaje feito
Deus oiô pra criação
Cum seu oiá sastifeito
Pra acaba sua invenção
Feiz seu derradêro invento
Di um barro meio cinzento
E deu-li o nome de Adão

Chamô-li trêis vêiz o nome
Quando ele arrespondeu
Deus entonce dixe: Tome!
Esse mundo é todo seu
Pode dispô à vontade
Si ôvé dificuldade
Já sabe chame pru eu

Mais o homi era dus tais
Qui drumia inté sentado
E certa vêiz Satanás
Li veno im sono cerrado
Ixtraiu-li uma custela
E Adão nem deu pru ela
Veja qui sono pesado

E o bixo Cuma é tinhoso
Da custela qui tiro
Feiz o invento mais perigoso
Qui ele na terra dêxô
Pru quê quando Adão deu fé
Tava na frente a muié
Nunstanti Adão miorô

Tempos dispois foi preciso
Nosso Sinhô vim falá
Nas terra do Paraiso
Vocês num pode ficá
Quando essa muié chegô
Pru quê você num mandô
Na merma hora vortá?

Mas Adão arrespondeu:
Sinhô eu ia mandá
Mas quando ela oiô pra eu
E feiz cum zói um siná
Nessa hora eu fiquei mudo
Ficô ela, cobra e tudo
Sem que eu pudesse falá

Apois todos trêis agora
Um castigo vão levá
Essa cobra vai simbora
A muié pode ficá
Lá fora do paraíso
E pra você cria juízo
Dessa vêiz vai trabaiá

Hái munta gente que diz
Que tudo isso foi preciso
E eles vivero filiz
Apesá dos prejuízo
Pôis Adão dizia inté:
Paraízo sem muié
Num pode sê paraiso!

terça-feira, 2 de fevereiro de 2021

BRIGA NA PROCISSÃO



BRIGA NA PROCISSÃO

Autor: Chico Pedrosa

 

Quando Palmeira das Antas
pertencia ao Capitão
Justino Bento da Cruz
nunca faltou diversão:
vaquejada, cantoria,
procissão e romaria
sexta-feira da paixão.

 

Na quinta-feira maior,
Dona Maria das Dores
no salão paroquial
reunia os moradores
e depois de uma preleção
ao lado do Capitão
escalava a seleção
de atrizes e atores

 

O papel de cada um
o Capitão escolhia
a roupa e a maquilagem
eram com Dona Maria
e o resto era discutido,
aprovado e resolvido
na sala da sacristia.

 

Todo ano era um Jesus,
um Caifaz e um Pilatos
só não mudavam a cruz,
o verdugo e os maus-tratos,
o Cristo daquele ano
foi o Quincas Beija-Flor,
Caifaz foi o Cipriano,
e Pilatos foi Nicanor.

 

Duas cordas paralelas
separavam a multidão
pra que pudesse entre elas
caminhar a procissão.

 

Cristo conduzindo a cruz
foi não foi advertia
o centurião perverso
que com força lhe batia
era pra bater maneiro
mas ele não entendia
devido um grande pifão
que bebeu naquele dia
do vinho que o capelão
guardava na sacristia.

 

Cristo dizia: “Ôh, rapaz,
vê se bate devagar
já tô todo encalombado,
assim não vou agüentar
tá com a gota pra doer,
ou tu pára de bater
ou a gente vai brigar.

Jogo já esta cruz fora
tô ficando revoltado
vou morrer antes da hora
de ficar crucificado”.

 

O pior é que o malvado
fingia que não ouvia
além de bater com força
ainda se divertia,
espiava pra Jesus
fazia pouco e dizia:

 

“Que Cristo frouxo é você,
que chora na procissão
Jesus pelo que se sabe
não era mole assim não.

Eu tô batendo com pena,
tu vai ver o que é bom
é na subida da ladeira
da venda de Fenelon
que o couro vai ser dobrado
até chegar no mercado
a cuíca muda o tom”.

 

Naquele momento ouviu-se
um grito na multidão
era Quincas que com raiva
sacudiu a cruz no chão
e partiu feito um maluco
pra cima de Bastião.

 

Se travaram no tabefe,
ponta-pé e cabeçada
Madalena levou queda,
Pilatos levou pancada
deram um bofete em Caifaz
que até hoje não faz
nem sente gosto de nada.

 

Desmancharam a procissão,
o cacete foi pesado
São Tomé levou um tranco
que ficou desacordado,
acertaram um cocorote
na careca de Timóti
que até hoje é aluado.

 

Até mesmo São José,
que não é de confusão
na ânsia de defender
o filho de criação
aproveitou a garapa
pra dar um monte de tapa
na cara do bom ladrão.

 

A briga só terminou
quando o Doutor Delegado,
interviu e separou
cada Santo pra seu lado.

Desde que o mundo se fez,
foi essa a primeira vez
que Cristo foi pro xadrez,
mas não foi crucificado.

FUXICO DE MUIÉ

 

FUXICO DE MUIÉ

(Pompílio Diniz)

 


As muié quando se junta,

nego perpare as urêa,

A história que elas assunta

O diabo inté se arrupêa

Guilermina e Filomena,

Dispois qui vem da novena,

Vão falá da vida alêa...

 

Quando elas duas cumeça

A fuxicagem é sem fim...

Puxano um pé de cunversa

Guilermina diz assim:

 

-          Ô cumade Filomena,

Bota a cabeça aí fora!

Tu, na hora da novena,

Viste o namoro de Orora

Cum o marido de Totonha?

Mas qui bicha severgonha!

Inté os casado namora!

 

- Ora bom basta se vi!

Eu tava juntinho dela,

(Ô cumade, iscuita aqui),

Sabe o qui ele dixe a ela?

Se avexe não, Dona Orora,

Quando fô lá pras dez hora,

Eu pulo a sua janela...

 

- Mas cumade, num me diga!

No artá de Nossa Sinhora?

- Tu pensa qui os homi liga

Os santo quando namora?!

Inquanto os beiço rezava,

Seu zóio num disgrudava

Do zóio de Dona Orora...

 

- E a muié dele num via?

- Mas cuma pudia vê,

Se ela fuço lá na pia,

O tempo todo a fazê

Sinazim pru sacristão

Pra dispois da prucissão

Os dois disaparecê?!...

 

- E a muié do sacristão

Já sabe disso cumade?

- Sabe, mas num liga não

Dêxa o marido a vontade!

Ela é dessa oinião:

Casô-se cum o sacristão

Mas gosta mêrmo é do pade!

 

E pru falá em vigáro,

Tu soube qui Gabriela

Foi se casá cum Genaro

Toda de véu e capela?!

É perciso tê corage

Pois nessora o pade quaje

Batizava o fio dela

 

E pelo qui me contaro

O minino qui nasceu

Num é fio do Genaro

Purrisso logo morreu

Mas a muié de Justino

Diz qua a cara do minino

Tinha as feição de Rumeu!

 

Cumade eu num tenho pena,

Pois Genaro é bobaião!

- Ô cumade Filomena,

Tu num pode falá não,

(O passado já passô)

Mas tu tombem num casô

Nessas merma cundição?!

 

Guilermina, Guilermina!

É mió tu te calá

Veia da língua firina,

Tu só sabe fuxicá?...

Mas tudo isso é dispeito,

Tu fala assim desse jeito

Pru quê num pode casá!...

 

- Pois é mió ser sortêra

Do qui casada cum home,

Pra vivê a vida intera

Cuma tu, passano fome!

Fosse eu tinha vergonha!

Teu marido esse pamonha,

De gente só tem o nome!...

 

A briga nessas artura

Toma a feição deferente:

Cumeça a discumpustura,

Cada veiz mais renitente...

Porém, dispois da novena

Guilermina e Filomena

Vão fuxicá novamente!