sexta-feira, 10 de fevereiro de 2023

VERSOS SOBRE A VIDA E O VIVER

 


VERSOS SOBRE A VIDA E O VIVER

(Merlanio)

 

Criamos o Projeto Bonecos de Lata que leva alegria as crianças portadoras de câncer e suas famílias. Então fiz alguns começo estes versos com a reflexão que este trabalho me suscita. 

Quando chega a terça-feira

Pro Hospital do Câncer vou

Canto alegria aos doentes

A esperança, a fé lhes dou

Mas tanta dor ali tem

Que eu volto em prantos também

Tanta dor me machucou

 

Quem vê criança com câncer

Já roga a Deus sem demora

Porque não sabe o mistério

Que fez isso nessa hora

Que câncer atingiu a filha

Mas tortura uma família

Que por todo lugar chora

 

Quando vem a enfermidade

A gente fica pensando

Como a vida aqui é boa

E vem a pergunta: Quando?

Que aquela dor que aperta

É um aviso que desperta

Quem sabe é Deus nos chamando?!

 

Quem ora a Deus e lhe pede

A cura do corpo agora

Depois da cura agradece

Paga a promessa na hora

Esquece que aqui na Terra

A vida aos poucos se encerra

E todos irão embora

 

Nunca rogue eternidade

Para viver nesse mundo  

A passagem aqui na terra

É para Deus um segundo

Porque ninguém permanece

Mesmo em ladainha e prece

Volta ao seu plano oriundo

 

Quem pensa que a vida acaba

Com a morte é limitado

Imagina a criação

Que faz lixo o descartado

Que Deus perde o que fabrica

Que Ele nem sequer recicla

Aquilo que foi criado

 

Tudo que Deus faz é bom,

É Belo, útil e perfeito

Quando cria é para sempre

E utiliza o seu bem feito

E quando faz não descarta

Quando cria a Arte é farta

Pra ninguém botar defeito

 

Eu tenho pensado muito

Na vida após a metade

Estou mais perto do fim

Já vivo com intensidade

Porque não sei quando acaba

Meu prazo de validade

 

 

Vejo que o tempo é ligeiro

E vive enganando a gente

As lembranças da infância

Vêm a mim constantemente

É como se ontem fosse

E como tudo acabou-se

Tudo hoje me é urgente

 

Por mais que a gente se apegue

A vida escorre da mão

Como finos grãos de areia

E água na evaporação

Sobre cada aniversário

Diminui no calendário

Um ano aqui neste chão

 

Dinheiro, fama e poder

Faz o orgulho dizer: Vem

Ver que hoje és maior

Que o mundo todo também!

Mas é tudo ledo engano

Quando a morte baixa o plano

Este é mais um Zé-ninguém!

 

A morte equilibra a vida

Doma o brabo matador

Quem voa logo aterriza

Quem humilha cai do andor

Dona Morte não demora

E a todos ela devora

Com o jeito apaziguador!

 

 

Um dia andava no campo

E ouvi um choro abafado

Era um menino escornado

Ao lado estava a mãe morta

Ali morava a tristeza

Que a fome tinha chamado

E eu vi horrorizado

Que a fome também se exporta

 

Quando a fome bate à porta

Todos são co-responsáveis

Multidões de miseráveis

São nossos primos e manos

Precisa a ação conjunta

De amor e de caridade

Pois sem a fraternidade

Desumaniza-se humanos

 

Fome é triste enfermidade

Que tortura, humilha e mata

E quando a fome maltrata

Pede pressa, pede urgência

Se o socorro chegar tarde

Será fatal o ensejo

Que a fome traz o cortejo

Da morte por negligência

 

Vi a menina chorando

Fui ver o que se passava

Um velho dela abusava

E este quase a estuprou

Ela de fome tremia

E entregando-se ao sagaz

Impedi o ato voraz

Denunciei o infeliz

E denuncio o país

Pelo mal que a fome traz

 


sexta-feira, 3 de fevereiro de 2023

O GOLPE DE ANA ROSA NO BARBA AZUL DO SERTÃO

 LITERATURA DE CORDEL

O GOLPE DE ANA ROSA NO BARBA AZUL DO SERTÃO

Autor: Merlânio Maia

 

Quem de fato tem juízo

Não vai dar trela a mentira

Nem bulir com o egoísmo

Nem com orgulho, ou a ira

Mas um dos grandes defeitos

Que acontece aos eleitos

É a ganância e a ambição

Que esta ajunta todo vício

E joga no precipício

Todo incauto sem perdão

 

Pois bem, hoje conto a história

Do Barba Azul do Sertão

Foi Zeca de Chico Zuca

Nasceu para sedução

Aonde mulher passasse

Ou se com ele cruzasse

Ele já atocaiava

Com a conversa maneira

Abrindo certa clareira

Seduzia e abocanhava

 

Mas nada sério queria

Era rico o afamado

Herdara do Chico Zuca

Muita riqueza e guardado

Muita terra e gado manso

Seus Neloris um avanço

De prêmios ganhou milhões

E sozinho triplicou

A fortuna que ganhou

Tinha tino pra cifrões

 

Tinha rede de farmácias,

Rede de supermercados,

Distribuidoras mil

Nesse nordeste sagrado

Mil postos de gasolina

De Formosa até Campina

Seu gado andava em suas terras

E ele mais se expandia

Pro Sul, Sudeste e seguia

Pois riqueza nunca encerra

 

Tinha fazenda no Acre,

Rondonia e no Pará

Criava Búfalo no Norte

Que infestava o Amapá

Minas de ouro e de prata,

Muito dinheiro na lata,

No banco e na consciência

Mas sem sorte com mulher

As seduzia e sequer

Tinha depois paciência

 

Coisa de admirar

Aonde Zeca punha a mão

Virava lucro e dinheiro

Era o Midas do Sertão

Mas o dinheiro somente

Deixa o cabra diferente

E dinheiro sem saúde

Não serve mais para nada

E o cabra segue a jornada

Mudando de atitude

 

Foi o caso de seu Zeca

O coração deu-lhe um tranco

Que quase que ele vai

Morar sob o túmulo branco

Mas conseguiu se salvar

E o médico foi lhe falar

Nesse dia torturante:

- É Zeca seu coração

Não tá prestando mais não

Agora só no transplante!

 

Ele então desesperou

Pois não tinha nem herdeiro

Pai e mãe já se passou

Seus filhos eram dinheiro

Mas Dr. Charles num instante

Disse: A fila de transplante

Já tem seu nome na espera

Peça a ajuda ao Pai do Céu

Que é dele esse papel

Pra lhe manter cá na esfera

 

Quem foi Zequinha na vida

Começou sentir saudade

Das mil e uma mulheres

Das farras em mil cidades

O Barba Azul do Sertão

Caiu numa solidão

Chega dá pena falar

Tanto bem acumulado

Para tudo quanto é lado

E a morte no calcanhar

 

Mas a vida dá mil voltas!

Na cidade de Formosa

Onde morava Zequinha

Também vivia Ana Rosa

No auge dos vinte anos

Com tanta ambição nos planos

Não suportava a pobreza

Soube daquela tragédia

E resolveu fazer média

Buscando ganhar nobreza

 

Passou a ir à Igreja

Na missa que Zeca ia

Ajudava ao Padre João

Cantava na liturgia

Fazia todo dever

Tudo pra Zeca lhe ver

Como se vê uma santa

E o padre já admirava

A irmã que ali chegava

Pra tarefa que era tanta

 

Era lindo aquele ser

De coração venenoso

O corpo era uma viola

Tinha os cabelos sedosos

Seios fartos, pele lisa,

Boca carnuda e precisa

Pescoço esguio e bem feito,

Cintura fina e o bumbum

Feitiço pra qualquer um

Perder compostura e jeito

 

A Igreja enchia de jovens

Na missa que Ana ia

Ficava gente lá fora

Na hora da liturgia

E Ana fazia a leitura

Da Igreja à Prefeitura

Enchia de gente em frente

Os maridos pra espiar

E as mulheres pra brigar

Por causa daquela crente

 

Por onde Ana passava

Os homens se perturbavam

O padre e até as beatas

Junto a ela ruborizavam

Mas Padre João muito atento

Disse: - Arrume um casamento

Você nasceu para o lar.

E Ana Rosa tão discreta

Com a armadilha completa

E o plano a funcionar

 

Um dia confessa ao Padre:

- Sinto tanta compaixão

Pelo caso de seu Zeca

É quase amor, Padre João!

E o padre caiu na treta

E foi tocar a retreta

Pra Zequinha em cor de giz:

- Não há esposa melhor

Nem com o coração maior

Case e seja bem feliz!

 

Zeca nem acreditou:

- Padre e se for armação?

O Padre disse: Não é!

Case com separação

De bens e depois verá

Ponho a mão no fogo já

Velará por noite e dia

Você está vivendo a esmo

Já que não tem ninguém mesmo

Viverão de alegria

 

Zeca com o coração fraco

Quase em dias de morrer

Resolveu casar com Ana

Se ela aceitasse viver

Sem festa, ou sociedade

Sem nem sair da cidade

Pra lhe amparar e cuidar

Pois sua crise era forte

E não queria com a morte

Sozinho se deparar

 

E assim mandou chamá-la

E ela chegou muito linda

Carinhosa, afetuosa

E bem mais cheirosa ainda

Falou do encantamento

Que findaria o tormento

Cuidando com devoção

E fez Zeca acreditar

E até com ela sonhar

No jardim do coração

 

E assim casaram-se os dois

Em singela cerimonia

E a nobreza lhe caia

Mais perfeita que se sonha

E ele pediu mil desculpas

Não consumar por sua culpa

O sonho da jovem esposa

Ele que era um cinquentão

Mas seu pobre coração

Em breve iria pra lousa

 

E Ana cuidava de Zeca

Como cuidava de si

O rei do Sertão agreste,

Do Brejo e do Cariri

Viu nela um anjo cuidando

E a ela estava amando

Com toda aquela lindeza

Que lhe trazia papinha

E do jardim a cozinha

Reinava a sua beleza

 

Mas Ana queria mais

Apressar seu passamento

Três anos eram demais

Começou doce tormento

Um dia Zeca a chamou

E ela se apresentou

Pra ele só de calcinha

Foi bomba no coração

E ele agarrou-se ao balão

De oxigênio que tinha

 

E ela disse: Meu amor

Sou assim, sua todinha!

E Zeca chupando o gás

E o oxigênio não vinha

E ela o beijou no rosto

E ele se encheu de desgosto

Sem revelar seu desejo

E ela ali se vestiu

E nessa hora ele viu

O perigo que é um beijo

 

E Ana aumentando a dose

Procurando algo no chão

Fazia de quatro pés

E haja dor no coração

Zeca quase a se acabar

E ela tudo a mostrar

Na minissaia curtinha

Às vezes de topless

E os peitos no sobe e desce

Quase matando Zequinha

 

Um dia ela veio nua

Surpreender o marido

Como um cavalo de índio

Seu olhar verde e enxerido

Sentou no colo de Zeca

Ele soltou a peteca

Do passamento que deu

Só acordou no outro dia

E por trás ela sorria

- “Quase que aconteceu!”

 

E assim foi o tormento

Agarrado no balão

De Oxigênio no máximo

Pra manter o coração

Mas Ana Rosa malvada

Sempre estava preparada

Para lhe surpreender

E a bicha era tão bonita

Que sua alma estava aflita

Pedindo até pra morrer

 

Um dia seu médico Charles

Chegou lá de supetão

E disse: Nós conseguimos

O seu novo coração

Colocaram Zeca e Ana

Numa UTI bacana

Que também é avião

Que logo depois seguia

Pra fazer a cirurgia

Transplantando o coração

 

A operação foi sucesso

Para desgosto de Ana

Diz Charles: É de um atleta

Que morreu esta semana

Sofreu trágico acidente

Com o coração excelente

Você vai ter vida em prosa!

Zeca não pensava em nada

Somente olhava a danada

Da sua esposa Ana Rosa

 

E foram remédios tantos

Com direito a quarentena

Mas na cabeça de Zeca

Só vinha a linda morena

A nudez daquele dia

O fez sentir a magia

Do coração de atleta

Mas sentia em Ana Rosa

Esvair-se verso e prosa

E foi ficando incompleta

 

E quanto mais melhorava

Mais Ana entristecia

E ele dizia: - Olha amor

Como a vida renascia

Fique feliz meu pitéu

Que a nossa lua de mel

Eu sonho em comemorar

Pois um coração que ama

Só sai de cima da cama

Quando a vontade passar

 

E ele já não aguentava

pois quando o povo saia

Ele pegava Ana Rosa

E as carícias que fazia

Beijava a linda na boca

E já com a cuca louca

Ela mandava parar:

- Amor o seu coração

Não está curado não

E pode tudo estragar!

 

Ana Rosa provocante

Logo logo se acalmou

Pois viu nele um jegue errante

O seu leão se soltou

Da jaula e até da corrente

E agora daqui pra frente

Nem sabia do final

Resolveu aguentar

Pra ninguém desconfiar

Do seu plano marginal

 

Faltando só quatro dias

O médico lhe liberou

E ao chegar no hotel

Zequinha já deu seu show

O seu problema real

Era maior que o normal

Na carência era Zecão

No começo delicado

Que ela viu seu estado

E agradou seu coração

 

Mas o problema de Zeca

Era igual ao cachaceiro

Se bebesse uma bicada

Se soltava o mês inteiro

Zeca era um compulsivo

Enquanto estivesse vivo

Era um ativo voraz

Seus olhares de suspiros

Babando feito vampiros

Como o jegue de DaPaz

 

O tirinete foi grande

E ela ficou destruída

Para ele ela era um parque

De diversão na subida

Quando esse cabra descia

Quase arrancava a polia

Com sua força abissal

E Ana pagou o boleto

Da ganancia em branco e preto

Naquele reino infernal

 

Era da cama pra sala,

Da sala para o sofá,

Do sofá para o banheiro,

Era pra lá e pra cá

Zeca morrendo de sede

Só no balanço da rede

Quebrando santo no andor

E ela pedia parada

E ele de alma obcecada:

- Meu amor eu quero amor!

 

Ana pode conhecer

Cada cerâmica que havia

Naquela bela suíte

Subia e depois descia

E aquele olhar de Zequinha

Da raposa pra galinha

Era de intimidar

E o Brasil de norte a sul

Na fama do Barba Azul

Ana pode comprovar

 

Graças a Deus chega o dia

De pegarem o avião

O corpo dela doía

Do litoral ao sertão

E Zequinha aperrado

Pra novo tarrabufado

Com sua linda Ana Rosa

Assim a moça aprendeu

Desde o dia que nasceu

Sua ambição pavorosa

 

O preço que Ana Rosa

Pagou com sua ambição

Foi tão grande e poderoso

Que esqueceu o bilhão

Então mal desembarcou

Disse: Zequinha acabou!

Quero a separação

Zequinha ali concordou

Mas sua fama aumentou

E até hoje ele reinou

O Barba Azul do Sertão!