LITERATURA DE CORDEL
O GOLPE DE ANA
ROSA NO BARBA AZUL DO SERTÃO
Autor: Merlânio
Maia
Quem de fato
tem juízo
Não vai dar
trela a mentira
Nem bulir com o
egoísmo
Nem com
orgulho, ou a ira
Mas um dos
grandes defeitos
Que acontece
aos eleitos
É a ganância e
a ambição
Que esta ajunta
todo vício
E joga no
precipício
Todo incauto
sem perdão
Pois bem, hoje
conto a história
Do Barba Azul
do Sertão
Foi Zeca de
Chico Zuca
Nasceu para
sedução
Aonde mulher
passasse
Ou se com ele
cruzasse
Ele já
atocaiava
Com a conversa
maneira
Abrindo certa
clareira
Seduzia e
abocanhava
Mas nada sério
queria
Era rico o
afamado
Herdara do
Chico Zuca
Muita riqueza e
guardado
Muita terra e
gado manso
Seus Neloris um
avanço
De prêmios
ganhou milhões
E sozinho
triplicou
A fortuna que
ganhou
Tinha tino pra
cifrões
Tinha rede de
farmácias,
Rede de
supermercados,
Distribuidoras
mil
Nesse nordeste
sagrado
Mil postos de
gasolina
De Formosa até
Campina
Seu gado andava
em suas terras
E ele mais se
expandia
Pro Sul,
Sudeste e seguia
Pois riqueza
nunca encerra
Tinha fazenda
no Acre,
Rondonia e no
Pará
Criava Búfalo
no Norte
Que infestava o
Amapá
Minas de ouro e
de prata,
Muito dinheiro
na lata,
No banco e na
consciência
Mas sem sorte
com mulher
As seduzia e
sequer
Tinha depois
paciência
Coisa de
admirar
Aonde Zeca
punha a mão
Virava lucro e
dinheiro
Era o Midas do
Sertão
Mas o dinheiro
somente
Deixa o cabra
diferente
E dinheiro sem
saúde
Não serve mais
para nada
E o cabra segue
a jornada
Mudando de
atitude
Foi o caso de
seu Zeca
O coração
deu-lhe um tranco
Que quase que
ele vai
Morar sob o
túmulo branco
Mas conseguiu
se salvar
E o médico foi
lhe falar
Nesse dia
torturante:
- É Zeca seu
coração
Não tá
prestando mais não
Agora só no
transplante!
Ele então
desesperou
Pois não tinha
nem herdeiro
Pai e mãe já se
passou
Seus filhos
eram dinheiro
Mas Dr. Charles
num instante
Disse: A fila
de transplante
Já tem seu nome
na espera
Peça a ajuda ao
Pai do Céu
Que é dele esse
papel
Pra lhe manter
cá na esfera
Quem foi
Zequinha na vida
Começou sentir
saudade
Das mil e uma
mulheres
Das farras em
mil cidades
O Barba Azul do
Sertão
Caiu numa
solidão
Chega dá pena
falar
Tanto bem
acumulado
Para tudo
quanto é lado
E a morte no
calcanhar
Mas a vida dá
mil voltas!
Na cidade de
Formosa
Onde morava
Zequinha
Também vivia
Ana Rosa
No auge dos
vinte anos
Com tanta
ambição nos planos
Não suportava a
pobreza
Soube daquela
tragédia
E resolveu
fazer média
Buscando ganhar
nobreza
Passou a ir à
Igreja
Na missa que
Zeca ia
Ajudava ao
Padre João
Cantava na
liturgia
Fazia todo
dever
Tudo pra Zeca
lhe ver
Como se vê uma
santa
E o padre já
admirava
A irmã que ali
chegava
Pra tarefa que
era tanta
Era lindo
aquele ser
De coração
venenoso
O corpo era uma
viola
Tinha os
cabelos sedosos
Seios fartos,
pele lisa,
Boca carnuda e
precisa
Pescoço esguio
e bem feito,
Cintura fina e
o bumbum
Feitiço pra
qualquer um
Perder
compostura e jeito
A Igreja enchia
de jovens
Na missa que
Ana ia
Ficava gente lá
fora
Na hora da
liturgia
E Ana fazia a
leitura
Da Igreja à
Prefeitura
Enchia de gente
em frente
Os maridos pra
espiar
E as mulheres
pra brigar
Por causa
daquela crente
Por onde Ana
passava
Os homens se
perturbavam
O padre e até
as beatas
Junto a ela
ruborizavam
Mas Padre João
muito atento
Disse: - Arrume
um casamento
Você nasceu
para o lar.
E Ana Rosa tão
discreta
Com a armadilha
completa
E o plano a
funcionar
Um dia confessa
ao Padre:
- Sinto tanta
compaixão
Pelo caso de
seu Zeca
É quase amor,
Padre João!
E o padre caiu
na treta
E foi tocar a
retreta
Pra Zequinha em
cor de giz:
- Não há esposa
melhor
Nem com o
coração maior
Case e seja bem
feliz!
Zeca nem
acreditou:
- Padre e se
for armação?
O Padre disse:
Não é!
Case com
separação
De bens e
depois verá
Ponho a mão no
fogo já
Velará por
noite e dia
Você está
vivendo a esmo
Já que não tem ninguém
mesmo
Viverão de
alegria
Zeca com o
coração fraco
Quase em dias
de morrer
Resolveu casar
com Ana
Se ela
aceitasse viver
Sem festa, ou
sociedade
Sem nem sair da
cidade
Pra lhe amparar
e cuidar
Pois sua crise
era forte
E não queria
com a morte
Sozinho se
deparar
E assim mandou
chamá-la
E ela chegou
muito linda
Carinhosa,
afetuosa
E bem mais
cheirosa ainda
Falou do
encantamento
Que findaria o
tormento
Cuidando com
devoção
E fez Zeca
acreditar
E até com ela
sonhar
No jardim do
coração
E assim casaram-se
os dois
Em singela
cerimonia
E a nobreza lhe
caia
Mais perfeita
que se sonha
E ele pediu mil
desculpas
Não consumar
por sua culpa
O sonho da
jovem esposa
Ele que era um
cinquentão
Mas seu pobre
coração
Em breve iria
pra lousa
E Ana cuidava
de Zeca
Como cuidava de
si
O rei do Sertão
agreste,
Do Brejo e do
Cariri
Viu nela um
anjo cuidando
E a ela estava
amando
Com toda aquela
lindeza
Que lhe trazia
papinha
E do jardim a
cozinha
Reinava a sua
beleza
Mas Ana queria
mais
Apressar seu
passamento
Três anos eram
demais
Começou doce
tormento
Um dia Zeca a
chamou
E ela se
apresentou
Pra ele só de
calcinha
Foi bomba no
coração
E ele
agarrou-se ao balão
De oxigênio que
tinha
E ela disse:
Meu amor
Sou assim, sua
todinha!
E Zeca chupando
o gás
E o oxigênio não
vinha
E ela o beijou
no rosto
E ele se encheu
de desgosto
Sem revelar seu
desejo
E ela ali se
vestiu
E nessa hora
ele viu
O perigo que é
um beijo
E Ana
aumentando a dose
Procurando algo
no chão
Fazia de quatro
pés
E haja dor no
coração
Zeca quase a se
acabar
E ela tudo a
mostrar
Na minissaia
curtinha
Às vezes de
topless
E os peitos no
sobe e desce
Quase matando
Zequinha
Um dia ela veio
nua
Surpreender o
marido
Como um cavalo
de índio
Seu olhar verde
e enxerido
Sentou no colo
de Zeca
Ele soltou a
peteca
Do passamento
que deu
Só acordou no
outro dia
E por trás ela
sorria
- “Quase que
aconteceu!”
E assim foi o
tormento
Agarrado no
balão
De Oxigênio no
máximo
Pra manter o
coração
Mas Ana Rosa
malvada
Sempre estava
preparada
Para lhe
surpreender
E a bicha era
tão bonita
Que sua alma
estava aflita
Pedindo até pra
morrer
Um dia seu
médico Charles
Chegou lá de
supetão
E disse: Nós
conseguimos
O seu novo
coração
Colocaram Zeca
e Ana
Numa UTI bacana
Que também é
avião
Que logo depois
seguia
Pra fazer a
cirurgia
Transplantando
o coração
A operação foi
sucesso
Para desgosto
de Ana
Diz Charles: É
de um atleta
Que morreu esta
semana
Sofreu trágico
acidente
Com o coração
excelente
Você vai ter
vida em prosa!
Zeca não
pensava em nada
Somente olhava
a danada
Da sua esposa
Ana Rosa
E foram
remédios tantos
Com direito a
quarentena
Mas na cabeça
de Zeca
Só vinha a
linda morena
A nudez daquele
dia
O fez sentir a
magia
Do coração de
atleta
Mas sentia em
Ana Rosa
Esvair-se verso
e prosa
E foi ficando
incompleta
E quanto mais
melhorava
Mais Ana
entristecia
E ele dizia: -
Olha amor
Como a vida
renascia
Fique feliz meu
pitéu
Que a nossa lua
de mel
Eu sonho em
comemorar
Pois um coração
que ama
Só sai de cima
da cama
Quando a
vontade passar
E ele já não
aguentava
pois quando o
povo saia
Ele pegava Ana
Rosa
E as carícias
que fazia
Beijava a linda
na boca
E já com a cuca
louca
Ela mandava
parar:
- Amor o seu
coração
Não está curado
não
E pode tudo
estragar!
Ana Rosa
provocante
Logo logo se
acalmou
Pois viu nele
um jegue errante
O seu leão se
soltou
Da jaula e até
da corrente
E agora daqui
pra frente
Nem sabia do
final
Resolveu
aguentar
Pra ninguém
desconfiar
Do seu plano
marginal
Faltando só
quatro dias
O médico lhe
liberou
E ao chegar no
hotel
Zequinha já deu
seu show
O seu problema
real
Era maior que o
normal
Na carência era
Zecão
No começo
delicado
Que ela viu seu
estado
E agradou seu
coração
Mas o problema
de Zeca
Era igual ao
cachaceiro
Se bebesse uma
bicada
Se soltava o
mês inteiro
Zeca era um
compulsivo
Enquanto estivesse
vivo
Era um ativo
voraz
Seus olhares de
suspiros
Babando feito
vampiros
Como o jegue de
DaPaz
O tirinete foi
grande
E ela ficou
destruída
Para ele ela
era um parque
De diversão na
subida
Quando esse
cabra descia
Quase arrancava
a polia
Com sua força
abissal
E Ana pagou o
boleto
Da ganancia em
branco e preto
Naquele reino
infernal
Era da cama pra
sala,
Da sala para o
sofá,
Do sofá para o
banheiro,
Era pra lá e
pra cá
Zeca morrendo
de sede
Só no balanço
da rede
Quebrando santo
no andor
E ela pedia
parada
E ele de alma
obcecada:
- Meu amor eu
quero amor!
Ana pode
conhecer
Cada cerâmica
que havia
Naquela bela
suíte
Subia e depois
descia
E aquele olhar
de Zequinha
Da raposa pra
galinha
Era de
intimidar
E o Brasil de
norte a sul
Na fama do
Barba Azul
Ana pode
comprovar
Graças a Deus
chega o dia
De pegarem o
avião
O corpo dela
doía
Do litoral ao
sertão
E Zequinha
aperrado
Pra novo
tarrabufado
Com sua linda
Ana Rosa
Assim a moça
aprendeu
Desde o dia que
nasceu
Sua ambição
pavorosa
O preço que Ana
Rosa
Pagou com sua
ambição
Foi tão grande
e poderoso
Que esqueceu o
bilhão
Então mal
desembarcou
Disse: Zequinha
acabou!
Quero a
separação
Zequinha ali
concordou
Mas sua fama
aumentou
E até hoje ele
reinou
O Barba Azul do
Sertão!
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